segunda-feira, 5 de junho de 2017

Um novo corpo para cada nova fase da vida.

Eu, na chegada aos 40.
Quando Luiza nasceu, eu atravessei um longo "inverno" de conflitos  com o meu corpo pós-maternidade. Eu já havia passado por outros momentos de crise antes, faz parte do nosso processo de crescimento e amadurecimento, mas a maternidade me trouxe uma estranheza que eu nunca antes havia experimentado. Por algum tempo eu não me reconhecia mais no espelho. E era geral este estranhamento, da ponta dos cabelos até a última unha do dedo do pé.

Eu engordei muito na gestação, mas não era só uma coisa de peso. A textura da pele, a firmeza, as formas todas tinham mudado. O pé cresceu, o cabelo ficou mais grosso e rebelde. As velhas roupas não serviam e as novas nem em sonho me lembravam a moça magra, que se achou bonita na maior parte da vida. 

Nem meus olhos passaram ilesos por este estranhamento. Claro que eles não mudaram de cor nem formato, mas eles eram os faróis a lançar luz sobre tudo aquilo.

Lembro de um dia que eu fui alugar um vestido pra ser madrinha de casamento. Nenhum vestido me agradava, mas principalmente, eu não me sentia bem em nenhum. Eu não estava me sentindo bem dentro da minha pele, então roupa alguma se ajustava em mim. A pessoa que me atendia ficou extremamente preocupada porque minha auto-estima estava muito baixa. Ela tentou me acolher, foi doce, gentil, me abraçou e principalmente, encontrou um vestido no qual eu fiquei muito bonita. Mas não era questão de auto-estima também, eu só ainda não tinha juntado de volta todas as partes de mim que ficaram fragmentadas depois do parto (o puerpério faz isso com as mães e eu ainda estava nele).

Eu havia cortado o cabelo, feito camadas, porque ele já não era mais aquele cabelão que tanto me representava, estava diferente. Aí, quando ele estava ao natural, eu enxergava a minha irmã mais velha no espelho. Quando eu o escovava (eu adoro meu cabelo rebelde e adoro escová-lo também), eu enxergava a minha irmã do meio lá. E eu, aonde eu tinha ido parar?

Aos 6 anos.


Eu fui uma criança muito magrinha. Depois eu virei uma pré-adolescente que só tinha seios imensos pra idade e todo o resto de criança ainda (nessa época eu morria de vergonha de muita coisa). Aí eu virei uma adolescente muito bonita (eu me achava bonita), com pernas bem torneadas, uma cinturinha fina, mas muito mais que isso, meu cabelo enfim tinha ultrapassado a alça do sutiã e eu passei a amar meus olhos, o desenho da minha boca, o formato do meu rosto. Eu olhava no espelho e tinha uma mulher em formação lindíssima lá. Eu tive até um namorado na época que achava o máximo o fato de eu não enxergar defeitos em mim como normalmente se vê por aí (ainda mais nesta idade). 

A primeira vez que eu briguei com o espelho foi aos 16 anos, por conta de um cisto que apareceu bem no meio da minha bochecha, do lado esquerdo. Resolvi tirar e ganhei uma cicatriz horrorosa no lugar. Fiquei um tempo evitando o espelho, até que me refiz e voltei a me amar. 



Aos 16, dando uma de atriz, sou a de vermelho, à direita


E a cada fase nova da vida, eu ganhei um novo corpo. Depois do vestibular eu engordei um pouco e ganhei novas curvas. Depois de me casar eu engordei mais um pouco e ganhei, além das curvas, umas estrias e uns pneuzinhos também. 

Aos 20, dando uma de modelo
fotográfico.


Quando engravidei da primeira vez, eu já tinha 9 quilos e muitas curvas a mais do que quando entrei na faculdade, 13, quase 14 anos antes. E ganhei mais 18 quilos e muita plenitude durante a gestação, me sentia especial, iluminada e linda grávida.


Plena e iluminada com 8 meses da
gestação da Luiza, aos 32 anos.

Depois do parto, 7 quilos se apegaram a mim e junto com eles o espelho me mostrava um corpo que eu não reconhecia como sendo o meu. Curvas, marcas, sobras, nada se encaixava naquilo que eu já havia sido um dia.

Aí eu entrei numa espécie de busca desesperada por me achar de novo na velha pele. Fiz progressiva no cabelo porque pensei que aos 35 anos seria interessante ter um visual mais chique (eu, chique?). Num dos meus momentos de crise existencial comprei uma cinta pra apertar a barriga e fiquei me repetindo que eu havia comprado um pouco de auto estima por 35 reais. Fiz inúmeras dietas que davam certo, mas com resultados que não se mantinham por muito tempo, até que elas pararam de dar resultado e ficava cada vez mais difícil perder peso. Matriculei-me em academias, mas não conseguia frequentar por muito tempo (eu odeio academia, do ambiente ao tipo de exercício). Cheguei mesmo a encontrar uma só para mulheres que era uma delícia de lugar, mas ir até lá era uma tortura tão, mas tão grande, que eu enfim assumi que esse tipo de empenho não me representa e que só voltaria a fazer atividade física de novo quando pudesse pagar por uma que me trouxesse prazer acima de tudo. 

Assumi que eu amo comer e amo cozinhar. E mais, eu amo degustar o que eu cozinho e por isso dieta é algo que não cabe na minha vida, então não fiz mais. E não, eu não continuei engordando indiscriminadamente. Muito pelo contrário.

Quando engravidei da segunda vez, estava decidida a não engordar tanto. E assim foi, 7 quilos eliminados com 13 dias de pós-parto. Claro que algumas informações ajudaram, essa foi a consequência de uma busca que eu vinha fazendo já há muito tempo, assunto extenso pra outro post.


Pós parto do Gui, aos 39.


Mas a parte mais importante desta história foi quando eu ouvi o seguinte termo pela primeira vez: "auto aceitação"*. Isso reverberou dentro de mim por muitos dias. Eu já estava mais madura e já havia me refeito por completo do primeiro puerpério. Muitas coisas na minha vida já haviam retomado seus lugares e eu já tinha feito as pazes com o espelho. Já tinha resgatado minhas raízes da boa alimentação, e já havia compreendido e aceitado que o tempo se expressa não só na nossa "cabeça", mas no nosso corpo também. E isso não é uma coisa ruim não, pelo contrário. Eu passei a olhar as fotos de antes e me achar magra demais. Passei a enxergar que aquele corpo magro combinava com o tanto de experiência de vida que aquela menina tinha, mas que ficaria desconexo na mulher que me tornara. E ouvir este termo "auto-aceitação", personificou, nomeou, concretizou um processo pelo qual eu passava, tornando-o muito mais bonito e muito mais leve.

Eu estava com 38 anos e às vésperas de descobrir minha segunda gestação.

O que eu pude compreender nesta jornada é que não é sem razão que a forma física se movimenta na passagem do tempo. A cada fase precisamos de um corpo que a represente e a natureza, sábia que é, dá conta de trazer as modificações necessárias.

Quando crianças somos pequenos e leves, pra pular, correr, explorar, descobrir. Essa agilidade vai mudando conforme vamos ganhando complexidade de pensamento. Muda a imagem, muda a energia, o tempo vai se expressando em cada milimetro do corpo (qual é a novidade nisso?rsrs). Muda nossa forma de ver o mundo.

Qualquer pessoa que pare pra pensar sobre si mesma anos antes, verá sua evolução em termos de percepção e crenças. Isso se chama maturidade e vem com a experiência. E esta última só é possível existir vivendo. Não dá pra ter experiência sem experimentar. Assim, quando com 16 anos eu me achava muito adulta, pobre de mim que só começava a viver, não é mesmo?

Tem algumas marcas do tempo com as quais ainda estou em pleno processo de aprender a como lidar. Cabelos brancos, por exemplo. Aos poucos eles estão se achegando e eu me acostumando. Ainda seguimos sem intervenção alguma e hoje chego mesmo a questionar como será quando eles estiverem em maios número (para cada fase a preocupação que lhe cabe).

Assim como a Rita Lee diz que adora cicatrizes porque são tatoos da vida e a fazem lembrar de que ela foi mais forte do que aquilo que a feriu, eu aprendi que a cada nova fase da minha vida eu terei uma imagem nova que a abrace e represente.

Sendo assim, hoje eu procuro me alimentar melhor não porque eu deseje ser magra, mas porque isso me traz um bem estar global e que, inclusive, se reflete na balança. E tem momentos que meu cansaço quer mais é comer qualquer porcaria porque qualquer coisa que a gente se disponha a fazer bem feito, dá mais trabalho. Assim se as calças ficam mais apertadas na cintura, tudo bem, tudo passa na vida, logo elas voltam a ficar mais confortáveis (e voltam mesmo!). Eu, e todo mundo, tenho direito de não estar afim hoje e de afrouxar em alguns aspectos que podem ser afrouxados.

E eu ainda planejo fazer uma atividade física, não porque vai me por nessa exigência estética de me parecer com o padrão de beleza por aí. Não, de jeito algum. Quando eu fazia hidroginástica, por exemplo, por mais exausta que eu estivesse, seguia em frente e saía da aula renovada. Hoje meu dinheiro não paga essas aulas, mas quando puder pagar, vou atrás deste bem estar de me dedicar a algo que realmente faça diferença na minha semana. Eu não estou "malhando", mas tenho feito uma coisa que tem o mesmo benefício: estou cantando! Uma vez por semana eu tenho coral e chego mesmo a desconfiar que se eu seguir firme, até a balança pode vir a acusar alguns números a menos. Não porque queime muitas calorias, mas porque me faz feliz de um tanto bom.

Estampa de flores.

Não posso dizer que já cheguei num ponto bom de harmonia com meu corpo, estou em processo. Até porque envelhecer não é um lance assim tão tranquilo. Algumas coisas pegam às vezes, como tentar pular corda e perceber que isso ficou perdido no tempo e resgatar demanda muito mais esforço do que demandou quando tentei aprender lá nos primórdios de minha vida. Ou ainda, perceber que já estou desenvolvendo a "síndrome do braço curto" e está ficando difícil ler letras miúdas (pode rir, eu acho isso mais engraçado que trágico, mas é ruim mesmo assim).

Soma-se a tudo isso a chegada de outro filho. Nova fase, outro corpo. Novas buscas. O que tem de diferente é que a chegada aos 40 anos vieram junto com uma serenidade conquistada ao longo do tempo e depois de muitos conflitos e angústia. Hoje tenho a confiança de que, seja lá qual for o desconforto, vai passar. Porque sempre passa, né. E esse saber, para mim, se tornou suficiente para não deixar mais a ansiedade crescer ao ponto de se tornar maior que minha força e minha vontade de superar os obstáculos e desafios. Ou maior do que a minha confiança de que algumas coisas apenas precisam do tempo pra se resolver e mais nada.

Guilherme já está com quase dois anos e eu voltei a acessar meu armário de antes da gestação, só que nada lá cabe em mim com a mesma poesia de antes. Não é uma questão de peso, porque este continua o mesmo, mas de formas e de uma unidade e inteireza que se encontra em outro patamar agora, com outros jeitos e gostos.  E outros sonhos.

Pensando nisso, me inscrevi num workshop de estilo** (coisa mais linda de ver e viver) e, para minha surpresa (e susto, e espanto e sei lá mais o quê), dei-me conta de que hoje busco peças de roupa que se parecem com algumas que minha mãe usa (será uma identificação tardia? será que por que ela sabe se vestir melhor do que eu?). E passei a usar estampas de flores, coisa que eu simplesmente odiava na adolescência.

Mas o que sempre me define mesmo é o meu cabelo. E parar pra pensar em qual é o meu estilo me fez lançar luz sobre isso. Eu consegui deixar ele crescer no início da adolescência e meu cabelão rebelde foi o que me trouxe reconhecimento diante do espelho. Cortei meu cabelo curto em dois momentos da vida: no meio da faculdade, numa grande crise de identidade e necessidade de me reencontrar, e no pós maternidade, num movimento bem parecido, mas infinitas vezes mais intenso. Quando o Gui estava pra nascer, deixei meu cabelo crescer de novo e fui mantendo assim por uma questão de praticidade frente à demanda de um bebê (meu cabelo é muito mais administrável quando está longo). Em dezembro do ano passado tinha decidido cortar de novo, tenho a impressão que pareço mais jovem com os cabelos nos ombros, mas calhou que não consegui me organizar e chegou janeiro. Aí o cabelão voltou a ficar lindo e entramos num caso de amor de novo. Mais uns 3 meses, entramos em crise, mas eu não corto o cabelo no inverno, morro de frio no pescoço. Então decidi cumprir o ritual da vida inteira: agosto! Sempre me dei um corte novo de presente de aniversário (risos). 
De cabelo curto, 4° ano da faculdade e uma busca
 incessante por mim mesma.



De cabelo curto, aos 38. Uma das fotos
em que menos me reconheço.


Dentro deste caminhar de autoconhecimento, quando me vi ali naquela vivência de estilo, pensando sobre como eu já fui e para onde caminhei, de repente me vejo sem certezas com relação a este aspecto da minha imagem que tanto me definiu por tanto tempo. Vi esta semana fotos minhas com o cabelo curto e, definitivamente, não era eu lá. Assim como vejo fotos minhas da época da faculdade em que cortei o cabelo e não me vejo nelas também.

E esses questionamentos também chegam ao guarda-roupas, à pele e a acne que voltou com força total aos 40 e por aí vai.

É uma busca e eu não sei onde isso vai dar. E pra ser muito sincera, estou curtindo muito não saber! Como em todas as fases, esse sentimento me dá a chave pra abrir o portal das possibilidades e me lançar no caminho das experimentações. O novo corpo, da mãe de dois recém chegada aos 40 veio com uma serenidade capaz de tornar tudo isso um movimento muito gostoso e divertido. E olha, há muita beleza na imagem que reflete o que a vida tratou de imprimir em cada pedacinho. É apenas uma questão de aprender a enxergá-la. Eu estou aprendendo! Que venham as rugas e eu hei de encontrar um cabelo, um vestido, um sapato e uma bolsa que combinem com a história impressa em cada linha marcada no meu rosto e no meu corpo!

"Rapunzel" de novo. Foto tirada há
pouco mais de uma semana.

Aos 37: esta é uma das fotos que mais amo de mim,
 talvez eu volte a ter cabelos assim.







*Este termo eu ouvi da Vanessa Rodrigues, jornalista, uma das idealizadoras da ONG Casa de Lua, num encontro sobre carreiras, do qual nós duas participamos pelo Projeto " Cartas para o Futuro", no Centro Ruth Cardoso, em 2014.

** O Workshop "Meu Corpo Tem Novas Formas e Demandas: e Agora?" foi ministrado pela querida Anna Dias, uma mulher incrível que sentou-se na minha frente um dia desses na Lumos, e que a partir deste encontro muita conversa boa e muita sintonia tem rolado. Ela vai ministrar mais dois encontros, então ainda dá tempo de participar, corre lá!







Nenhum comentário:

Postar um comentário